“E inclinando a cabeça, rendeu o espírito” (Jo. 19, 30)
Considera que nosso amável Redentor é chegado ao fim de sua vida.
Amortecem-lhe os olhos, o seu belo rosto empalidece, o coração palpita debilmente, e todo o seu sagrado corpo é lentamente invadido pela morte. Vinde, anjos do céu, vinde assistir à morte do vosso Deus.
E vós, ó Mãe dolorosa, Maria, chegai-vos mais próxima à cruz, levantai os olhos para vosso Filho, e contemplai-o lentamente, porque está prestes a expirar.
“Pai, em vossas mãos encomendo o meu espírito”. É esta a última palavra que Jesus profere com confiança filial e perfeita resignação com a vontade divina.
Foi como se dissesse: Meu Pai, não tenho vontade própria; não quero nem viver nem morrer. Se é vossa vontade que eu continue a padecer sobre esta cruz, eis-me aqui, estou pronto para obedecer; em vossas mãos entrego o meu espírito; fazei de mim segundo a vossa vontade.
– Tomara que nós disséssemos o mesmo, quando temos alguma cruz, deixando-nos guiar pelo Senhor, conforme o seu agrado.
Tomara que o repetíssemos especialmente no momento da morte! Mas para o bem fazermos então, devemos praticá-lo muitas vezes em nossa vida.
Entretanto, Jesus chama a morte, que por deferência não ousava aproximar-se do autor da vida, e lhe dá licença para lhe tirar a vida.
E eis que finalmente, enquanto treme a terra, se abrem os túmulos e se rasga o véu do templo, eis que pela veemência da dor faltam as forças ao Senhor moribundo, baixa o calor natural, falha a respiração. Jesus abandona o corpo ao próprio peso, deixa cair a cabeça sobre o peito, abre a boca e expira.
– Parti, ó bela alma do meu Salvador, parti e ide nos abrir o paraíso, fechado até agora, ide apresentar-vos à Majestade divina, e alcançai-nos o perdão e a salvação.
As pessoas presentes voltadas para Jesus Cristo, por causa da força com que proferiu as últimas palavras, contemplam-no com atenção silenciosa, veem-no expirar, e notando que não se move mais, dizem: Morreu, morreu. Maria ouve que todos os dizem, e ela também exclama: Ah Filho meu, já morrestes; estais morto.
Morreu! Ó Deus! Quem é que morreu?
O Autor da vida, o Unigênito de Deus, o Senhor do mundo. Ó morte que fizeste pasmar o céu e a natureza! Um Deus morrer pelas criaturas!
– Vem, minha alma, levanta os olhos e contempla esse homem crucificado. Contempla o Cordeiro divino já imolado sobre o altar da dor; lembra-te de que ele é o Filho dileto do Pai Eterno, e que morreu pelo amor que te tem dedicado.
Vê esses braços abertos para te acolherem; a cabeça inclinada para te dar o ósculo da paz; o lado aberto para te receber.
Que dizes? Não merece ser amado um Deus tão bom e tão amoroso? Ouve o que do alto de sua cruz te diz o Senhor: Meu filho, vê se há alguém no mundo que te tenha amado mais do que eu, teu Deus!
Ah, meu Jesus, já que para minha salvação não poupastes a vossa própria pessoa, lançai sobre mim esse olhar afetuoso com que me olhastes um dia, quando estáveis em agonia sobre a cruz; olhai-me, iluminai-me, e perdoai-me.
Perdoai-me em particular a ingratidão que tive para convosco no passado, pensando tão pouco na vossa paixão e o amor que nela me haveis mostrado.
Dou-Vos graças pela luz que me concedeis de compreender através de vossas chagas e dos vossos membros dilacerados, como por entre umas grades, o afeto tão grande e tão terno que ainda guardais para comigo.
Ai de mim, se depois de receber estas luzes deixasse de Vos amar, ou amasse outra coisa que não a Vós. Morra eu, assim Vos direi com São Francisco de Assis, morra eu por amor de vosso amor, ó meu Jesus, que Vos dignastes morrer por amor de meu amor.
Ó Coração aberto de meu Redentor, ó morada feliz de suas almas amantes, não vos dedigneis de receber agora minha mísera alma.
Ó Maria, Mãe das dores, recomendai-me a vosso Filho, a quem vedes morto sobre a cruz. Vede as suas carnes dilaceradas, vede o seu Sangue divino derramado por mim, e conclui disto quanto lhe agrada que lhe recomendeis a minha salvação.
A minha salvação consiste em que eu o ame, e este amor vós m’o deveis impetrar, mas um amor grande, um amor eterno.
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Fonte: retirado do livro “Meditações para todos os dias e festas do ano” de Santo Afonso de Ligório.