Plínio Correa de Oliveira
Que Vos levaria, Senhor, a sorrir do alto da Cruz?
Que abismo de contradição entre as dores que da cabeça aos pés Vos atormentam o Corpo sagrado, e esse sorriso que aflora doce, suave, meigo, entreabrindo-Vos os lábios e iluminando-Vos o rosto?
Sobretudo, Senhor, que contradição entre o abismo de dores morais que enche vosso Coração, e essa alegria tão delicada e tão autêntica que transluz em vossa Face!
Contra Vós, todo o oceano da ignomínia e da miséria humana se atirou. Não houve ingratidão nem calúnia que Vos fosse poupada.
Pregastes o Reino do Céu, e vossa pregação foi rejeitada pelo vil apetite das coisas da terra. O Demônio, o Mundo, a Carne, em infame revolta contra Vós, Vos levaram ao patíbulo, e aí estais à espera da morte.
E entretanto sorris! Por que?
Vossas pálpebras estão quase cerradas. Quase… Mas ainda podeis ver algo.
E o que vedes é, Senhor, a maior maravilha da criação, a obra-prima do Pai Celeste, uma alma – e quanta beleza pode haver em uma alma, embora o ignore o materialismo de nosso século – riquíssima e íntegra em sua natureza, cumulada por todos os dons da graça, e santificada por uma correspondência contínua e perfeitíssima a todos esses dons!
Vedes Maria. Vedes vossa Mãe. E no meio de todos os horrores em que estais imerso, tal é a maravilha que vedes, que sorris afetuosamente, para a alentar, para lhe comunicar algo de vossa alegria, para lhe dizer vosso infinito e
sublime amor.
Vós vedes Maria. E ao lado da Virgem Fiel, vedes os heróis da fidelidade: o Apóstolo-Virgem, as Santas Mulheres, a fidelidade da inocência, e a fidelidade da penitência.
Vosso olhar, para o qual tudo é presente, vê mais, pois se alonga pelos séculos, e Vos faz ver todas as almas fiéis que hão de Vos adorar ao pé da Cruz até o dia do Juízo. Vedes a Santa Igreja Católica, vossa Esposa. E por tudo isto, sorris com o sorriso mais triste e mais jubiloso, o mais doce e mais compassivo sorriso de toda a História.
O Evangelho nunca Vos apresenta rindo, Senhor. E só as almas que ignoram a gargalhada frascária e baixa, e que lhe têm horror, possuem o segredo de sorrisos análogos a este!
Entre as miríades de almas que seguindo a Maria estão ao pé da Cruz, e para as quais sorris, também está a minha, Senhor?
Humilde, genuflexo, sabendo-me indigno, entretanto eu Vos peço que sim. Vós que não expulsastes do Templo o publicano ( cfr. Lc. 18, 6-20 ), pelas preces de Maria não rejeitareis para longe de Vós um pecador contrito e acabrunhado. Dai-me do alto da Cruz um pouco de vosso sorriso inefável, ó bom Jesus.
“Pelas lágrimas de Maria,
Pela última agonia,
Tende de mim compaixão…”
Estes versos tão simples de um cântico religioso sem pretensões, se gravaram profundamente em mim. E eles me vêm à mente ao contemplar vossa Face posta em agonia.
A última agonia… Que força nesta expressão. Cada etapa da agonia é como que um fim, do qual brota não o fim, mas uma outra agonia ainda pior.
E assim, de dor em dor, de requinte em requinte, se chega à agonia extrema, em que a morte vai rompendo os vínculos últimos e mais profundos que ligam a alma ao corpo.
Última agonia de um Corpo pavorosamente atormentado… agonia de uma Alma em que a perfídia humana causou todas as tristezas que se possam conceber. É a parte mais atroz de
vossa Paixão.
Maria Santíssima, que tudo vê e tudo sente, chora. O Céu se tolda. A terra parece prestes a estremecer de horror. O vozerio alvar do poviléu hostil procura impregnar de vulgaridade a cena sublime. Enquanto isto, um brado de dor partido de vosso peito sobe até o Céu:
“Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonastes?” ( Mt. 27, 46 ).
É a hora do triunfo supremo da iniqüidade. É também a hora da misericórdia extrema, das conversões inesperadas e miraculosas.
A alma do Bom Ladrão vai Vos esperar no limbo. E milhões e milhões de almas, pelos méritos infinitos de vossa última agonia, pelo valor impetratório das lágrimas de Maria, em todos os séculos se vão converter meditando nesse passo de vossa Paixão.
Entre estas, Senhor, ponde-me a mim. Quebrai o gelo de minha vontade tíbia. Queimai minhas vis condescendências para com as pompas e obras de Satanás.
Fazei de mim um filho da Luz, forte, puro, destemido, terrível para vossos adversários como se fora um exército em ordem de batalha.
“Pelas lágrimas de Maria,
Pela última agonia,
Tende de mim compaixão…”
Tudo se acabou: “consummatum est” ( Jo. 19, 30 ).
Vossa cabeça pende inerte. Uma paz majestosa, suavíssima e divina se mostra em todo o vosso Corpo. Estais cheio de paz, ó Príncipe da Paz.
Mas em torno de Vós tudo é aflição e perturbação. Aflição extrema no Coração de Maria, e no pugilo de vossos fiéis. Perturbação no universo inteiro. O sol se obscurece, a terra treme, o véu do Templo se cinde, os algozes fogem. Mas Vós estais em paz.
Sim, porque tudo se consumou. Porque a iniqüidade patenteou sua infâmia até o fim. E porque Vós patenteastes até o extremo vossa divina perfeição.
Pelos méritos superabundantes de vossa Paixão e Morte, é dado aos homens reconhecer toda a beleza da Luz e todo o horror das Trevas. Para que sejam filhos da Luz e irredutíveis inimigos das Trevas.
Ao pé da Cruz, está Maria. Que sublimes meditações se dão no íntimo d’Aquela de quem narra o Evangelho que já nos albores de vossa vida terrena “guardava no seu Coração todas as coisas” que Vos diziam respeito ( cfr. Lc. 2, 51 ).
Imaculado Coração de Maria, Sede da Sabedoria, comunicai-me uma centelha, por pequena que seja, de vossa lucidíssima e ardorosíssima meditação sobre a Paixão e Morte de vosso Filho, meu Redentor, para que eu a guarde como fogo sagrado e purificador, no íntimo de minha alma…
* * *
Publicado na Revista Catolicismo Nº 148 – Abril de 1963