A fé pode mover montanhas, e Nossa Senhora não fica alheia aos esforços das pessoas cheias de fé. É o que nos mostra a história desta devoção mariana na França
O contraste não poderia ser mais notório: uma igreja enorme, para uma cidadezinha muito pequena. Os 125 habitantes de Avioth, vila francesa a poucos quilômetros da fronteira com a Bélgica, podem entrar todos juntos na igreja e ainda sobra muito, mas muito espaço mesmo.
A primeira pergunta que ocorre ao espírito é se a cidadezinha já foi bem maior e, sei lá por que motivos, hoje mora pouca gente no local. Mas não é isso. A resposta está ligada à história da imagem de Nossa Senhora de Avioth.
No ano de 1100 os lavradores descobriram uma imagem num matagal de espinhos, no local chamado “d’avyo”, que com o tempo se transformou em Avioth.
Passada a surpresa, decidiram levá-la à igreja de Saint Brice, a dois quilômetros dali. Mas na manhã seguinte a imagem tinha voltado ao exato local de onde a tinham tirado. Resultado: decidiram deixá-la no lugar e venerá-la ali mesmo.
Análises mostram que a imagem foi esculpida em madeira, antiga de uns 900 anos. Nossa Senhora tem um cetro na mão e segura o Menino Jesus.
Houve vários milagres no início, e as peregrinações começaram a afluir em número crescente. Talvez o peregrino mais célebre tenha sido São Bernardo de Claraval, fundador dos monges cistercienses e pregador da II cruzada contra os muçulmanos.
Quando esteve em Avioth, decidiu que na sua ordem fosse sempre rezada a Salve Rainha após a missa, costume que depois se estendeu a toda a Igreja.
Graças às peregrinações, pessoas foram se instalando no local, e a partir de 1180 Avioth já era um povoado.
Com as peregrinações, veio o desejo de se construir uma igreja digna da Santíssima Virgem. A capela original foi erguida no século XII, e a enorme igreja entre os séculos XIII e XIV, sendo que o auge das peregrinações se deu no início do século XV.
Hoje, alguns perguntariam por que construir algo tão grande. Mas, para os habitantes do local e os peregrinos da época, essa pergunta não se punha. Eram pessoas de fé ardente, e nada lhes parecia demasiado grande para Nossa Senhora. Além disso, o número dos peregrinos era enorme, devido a uma particularidade da devoção.
Meninos mortos sem batismo
A imagem era conhecida inicialmente como padroeira das causas desesperadas. Por isso iam lá pessoas seriamente doentes, de modo especial as contaminadas com lepra, doença incurável na época, e que exigia completa separação do resto da sociedade para evitar o contágio. Igualmente conduziam-se para lá doentes mentais, que eram deixados numa sala ao lado da imagem, para que esta os tranqüilizasse.
Mas o motivo principal das peregrinações era levar lá os corpos das crianças que tinham morrido sem receber o batismo.
Ensina a doutrina católica que o Céu, fechado para nós devido ao pecado de Adão, tornou-se aberto pelos méritos infinitos da Paixão de Nosso Senhor. As pessoas que recebem o batismo e morrem em estado de graça vão para o Céu.
Ora, as crianças que morrem numa idade tão tenra não podem ter cometido pecado, por isso basta que sejam batizadas para ir ao Céu. Mas para ser batizada é preciso que a criança esteja viva — geralmente se considera o prazo de umas duas horas para a alma abandonar o corpo.
Mas se a criança morresse sem que alguém a batizasse? Nada pior para os pais, já que o morto, além de ter perdido a vida terrena, poderia perder a vida eterna no Céu e ser conduzida ao Limbo!
Por isso os pais vinham de até 60 km ao redor de Avioth, trazendo os corpos dos pequenos mortos, que deixavam aos pés da imagem durante uma hora. Durante esse tempo, rezavam e esperavam algum sinal de vida.
Este sinal poderia ser um pouco de suor, efusão de sangue, algum calor corporal, movimento de veias ou de membros, um pouco de vermelhidão, etc.
Dando-se isto, considerava-se que havia vida, por menos intensa que fosse, e o sacerdote podia batizar o falecido, o qual assim ganharia o Céu de forma segura.
Durante o século XVII, eram batizadas desta forma umas 12 crianças por ano. O objetivo desta devoção não era pedir a Nossa Senhora a ressurreição, mas um pequeno intervalo de vida suficiente para o morto poder ser batizado. Depois, pouco antes da Revolução Francesa, esta prática foi proibida.
Fonte: Orações e milagres medievais