A casa da Sagrada Família: reflexões
“Ela
[Nossa Senhora] pensando no que aconteceria, considerando também que viria um determinado momento em que os Anjos haveriam de exercer seu poder sobre essa casa santa e levá-la pelos ares, a fim de que ela não caísse nas mãos dos maometanos.
Prevendo que a santa casa de Nazaré ia ser depositada num lugar chamado Loreto, na Itália, e que ali um número incontável de peregrinos, provavelmente até o fim do mundo, iriam venerar as paredes santas que circunscreveram o local onde ecoaram as conversas da Sagrada Família.
Onde se ouviram os risos cândidos e cristalinos do Menino Jesus; onde se ouviu a voz grave, paterna, afetuosa de São José; onde se ouviu a voz modelada quase ao infinito, como um órgão, de Nossa Senhora, exprimindo adoração, veneração, em todos os seus graus, em todas as modalidades. Em tudo isso Ela pensava.
“Ela refletia sobre os milagres da vida pública de Nosso Senhor, nos milagres que o Divino Redentor iria operar, nas almas que Ele iria atrair. Como tudo isto desfecharia no momento em que Ele começaria a ser recusado pelos judeus; recusado e esquecido por seus próprios Apóstolos, devido à moleza e tibieza deles; e ainda na traição de Judas.
“Depois Ela pensava em Pentecostes, na dilatação da Igreja por toda a bacia do Mediterrâneo, por lugares misteriosos por onde andaram os Apóstolos, enchendo a Terra com sua presença. Meditava Ela na libertação da Igreja pelo Imperador Constantino, na Igreja que brilharia na face da Terra, na invasão dos bárbaros; e depois em São Bento, o qual conseguiria sair de um pantanal e caminharia até Subiaco; e que ali, ele, o Patriarca do Ocidente, começaria nova vida espiritual, da qual nasceria a Idade Média, com todos seus esplendores.
“Nasceria a Idade Média, mas como réplica infame a São Bento, o pecado imenso: começaria a Revolução, e as ondas que subiriam, as injúrias atrozes. O Renascimento, o Humanismo, o Protestantismo, depois a Revolução Francesa, a Revolução Comunista, a Quarta-Revolução (o hippismo, o punkismo etc.). Esta última, com uma gestação tão enigmática, tão difícil de definir em seus verdadeiros contornos, tão infame em tudo quanto dela já sabemos.
“Tudo isso, mas também, também… um desígnio de Nossa Senhora pelo qual, em certo momento, sobre esse mar de lama, começasse a boiar uma pétala de rosa …. [o Autor refer-se a grandes graças que a Divina Providência dispensaria às almas e à sociedade humana em nossa época].
“Depois, nosso chamado. Cada um pode voltar-se, aos pés do Presépio, para narrar sua história individual e expor como caminhou a graça divina em sua alma …. os altos e baixos, os ‘sins’ e os ‘nãos’ os movimentos do orgulho… meu Deus! os movimentos da sensualidade; a vitória, às vezes a derrota, mas depois de novo a vitória e a misericórdia de Deus.
Mas haveria alguns que cairiam pelo caminho, que jazeriam ao longo da estrada; e haveria a prece dos que não caíram por aqueles que caíram, e a mão de Nossa Senhora que, de vez em quando, reergueria algum para que voltasse ao bom caminho”.
Súplicas e gratidão de um batalhador católico
“Tudo isto ocorreria através de obscuridades que nós não conhecemos, até o advento da intervenção de Nossa Senhora: que venha o Reino de Maria! [predito pela Mãe de Deus, em Fátima].
“Tudo isto nós devemos considerar quando estivermos aos pés do Presépio e dizer:
“— Ele [o Menino Jesus] é a Pedra de divisão, a Pedra de escândalo que divide a História ao meio. Tudo quanto está com Ele é a Contra-Revolução, tudo quanto é contra Ele é a Revolução. (*)
“Aqui está um, Senhor Jesus Cristo, trazido pela graça, que vossa divina Mãe, vossa celeste Mãe, por suas preces obteve de Vós; aqui está este batalhador, ajoelhado diante de Vós, antes de tudo para Vos agradecer.
“Agradeço a vida que destes a meu corpo, agradeço o momento em que insuflastes minha alma. Agradeço o plano eterno que tínheis a respeito de mim, como de qualquer homem, um plano determinado e individual, mediante o qual deveria haver, nos desígnios de Deus, alguém que seria eu, que dentre os homens haveria de ocupar este lugar, mínimo que seja, mas um lugar no enorme mosaico de criaturas humanas que devem subir ao Céu.
“Agradeço-Vos por terdes apresentado uma luta em meu caminho, para que eu pudesse ser herói.
“Agradeço-Vos a força que Vós me cedestes para resistir e para lutar, para combater e rezar… ‘A Dios orando y con el mazo dando’ (A Deus rezando e golpeando com o bordão), dizia Santo Antonio Maria Claret, o fundador dos Padres do Coração de Maria.
“Agradeço-Vos tudo isso, mas agradeço mais, agradeço-Vos todos os anos de minha vida que já se foram e que se tenham passado na vossa graça.
“Agradeço-Vos os anos que se foram e que não se passaram em vossa graça, porque Vós os encerrastes, num determinado momento, com vossa graça, abandonando eu o caminho da desgraça, para entrar de novo na vossa amizade.
“Agradeço-Vos, ó Divino Infante, ó Menino Jesus …. tudo o que fiz de difícil para combater meus defeitos; eu Vos agradeço por não Vos terdes impacientado comigo e por me terdes conservado vivo, a fim de que eu ainda tivesse tempo de corrigi-los até a hora de morrer. E se uma prece eu Vos posso dirigir nesta noite de Natal, Senhor Jesus, é a prece que se encontra num dos salmos:
“‘Não me chames na metade dos meus dias’ (Salmo 101). Eu a transformo [a prece] um tanto, não quero saber quantos foram os meus dias – talvez já tenham uma duração exorbitante –, mas eu a altero: ‘Não me tireis os dias, na metade da minha obra’; e me ajudeis para que meus olhos não se cerrem pela morte, meus músculos não percam seu vigor, minha alma não perca sua força e agilidade antes que eu tenha, por vossa glória, vencido em mim mesmo todos meus defeitos, galgado todas as alturas interiores para as quais fui criado; e que, no vosso campo de batalha, eu tenha, por feitos heróicos, prestado a Vós toda a glória que esperáveis de mim quando Vós me criastes”.
Belém… Tabor… Calvário…Juízo Final
“Senhor Jesus, quantas as contradições com as quais quisestes coroar a noite mil vezes gloriosa de vosso Santo Natal!
“‘Coroa’ sim, é bem este o vocábulo que convém com precisão inteira, a esse conjunto de circunstâncias, mediante as quais quisestes cercar a hora tão rica em símbolos de glória e de dor. [Hora] em que, nascendo do seio da Virgem Mãe, quisestes iniciar a caminhada esplendorosa: conduzindo-Vos da gruta de Belém até o alto do Tabor, e deste último ao Calvário.
Esse trajeto haveria de encontrar seu termo final no momento esplendoroso e terrível em que destruireis o anti-Cristo, aniquilareis os últimos mortais, encerrareis por um terrível decreto de extermínio a História da humanidade, e baixareis à Terra para iniciar o Julgamento de todos os homens!
“Contemplando todas essas cenas de dor e de vitória, de glorificação suprema, como de condenação implacável e extrema, situamos a Festa de vosso santo Natal em sua plena perspectiva histórica. Sim, uma perspectiva na qual Deus e o demônio, o Céu e o Inferno, num contraste implacável, em uma luta extrema, haveriam de desfechar os seus golpes.
Até o momento em que, cessada a História, só restariam em confronto bons e maus, uns votados pela Justiça eterna para a felicidade inteira, perfeita, gloriosa e sem fim; e outros, para o abismo perpétuo e insondável de dores, de opróbrios e de vergonhas, onde tudo não é senão derrota, insucesso, gemido e revolta perfeitamente inútil!
“Dir-se-ia que não, já que na Noite Feliz os Anjos cantam ‘Glória a Deus no mais alto dos Céus, e na Terra paz aos homens de boa vontade’. (Lc 2,14).
“Sim, aos homens de boa vontade! Porém, já havia também sob a abóbada celeste constelada de estrelas, homens de má vontade. E eles continuariam a existir até o derradeiro instante do último dia. Certamente não era para eles – os malditos, os precitos – o precônio da paz, mas o da inexorável e total desgraça”.
Noite de Natal: glórias de aturdir, doçuras insondáveis
“Vós quisestes que rodeassem vosso Presépio não só as glórias de aturdir, que a Vós tocam na infinitude de vossa Santidade, mas as doçuras insondáveis do perfeito Coração de Mãe que vos adorou desde o primeiro instante de vosso ser.
“É no ápice de todas essas perfeições que nossos olhos Vos contemplam hoje, na Noite de Natal.
“De tantas contradições, ao mesmo tempo magníficas e supremas, deslumbrantes e terríveis, decorre um ensinamento que, súplices, Vos pedimos marqueis em nossos corações. Também o mundo contemporâneo está imerso na contradição. Vemos a contradição entre a verdade e o erro, o bem e o mal: Vós, Senhor Jesus, e vossa Santa Mãe, a cujo lado refulge a santidade de José; e, de outro lado, o oceano das ignomínias, dos crimes, das abjeções, nas quais vai se precipitando o mundo de hoje, ‘totus positus in maligno’ (todo imerso no maligno).
“Para onde quer que voltemos nosso olhar, algo vemos, algo ouvimos que Vos ofende, Vos ultraja, e conspira contra Vós. Não há hoje, não há para o dia de amanhã algo que não se volte para Vos escarnecer, Vos golpear, Vos pôr em sangue e Vos arrastar à Cruz.
“Tudo em torno de Vós é contradição, no sentido de que, em torno de Vós, quase não há senão mal e o mal é essencialmente contraditório.
“Fazei, Senhora das Dores, que compreendamos esta hora de contradição, mantendo-nos genuflexos aos pés da Cruz, mas, ao mesmo tempo, eretos e destemidos como guerreiros – como Anjos, em pleno campo de batalha.
“Guerreiros implacáveis, de coração abrasado de amor a Vós e a vosso Divino Filho, para esmagarmos o mal, destroçarmos as contradições e elevar-Vos ao fastígio da glória de vosso Reino, ó Maria!”
Ut adveniat Regnum Christi, adveniat Regnum Mariae!
(Para que venha o Reino de Cristo, venha o Reino de Maria!)
* * *
Nota |
Textos extraídos de conferências proferidas pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, por ocasião dos Natais dos anos 1988, 1989 e 1993.(*) Esses termos são aqui empregados segundo o conceito exposto pelo Prof. Plínio Corrêa de Oliveira na magistral obra Revolução e Contra-Revolução, a qual vem sendo reproduzida em nossa página 2. Revolução é o processo quatro vezes secular que vem desagregando a Civilização Cristã. Contra-Revolução é o movimento que visa restaurar essa mesma Civilização.
2 Comentários
Sou anafalbeto: Porém não poderia deixar passar em bancas nuvns, minha maior emoção nesta grande data do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo , nosso Divino Salvador, que mortreu no maior sofrimento para salvar essa humanidade incredula.onde muitos seres humanos não pensam um segundoorando pedindo Ao Divino pai Eterno perdão das ofensas cometidas. Que o Senhor tenha oiedDE DE TODOS. AMEM
Bela e profunda reflexão.
Que conduzidos pelos anjos saibamos ajoelhar deante do presépio e com eles adorar Jesus, feito homem, feito menino, nosso Salvador