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O novelista argentino Hugo Wast enviou este escrito para uma revista literária mexicana – Abside – em 1957.
Até onde sabemos, parece que apenas foi publicado nesta revista não aparecendo em nenhuma de suas obras, pelo que cremos que é praticamente inédito.
Fizemos sua tradução especialmente para os leitores de nosso blog..
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Ia morrer: No sorriso artificial de todos, que tratavam de enganá-lo anunciando-lhe uma próxima melhora, via que ia morrer.
Não tinha fé, nem caridade, nem esperança.
Nunca havia rezado e se jactava disso, como de uma façanha; não tinha apego à vida, nem temor da morte.
Dentro de uma hora, de duas, no máximo três, deixaria de viver.
Pediu que se afastassem para dormir um pouco e fechou os olhos.
Queria observar os mínimos detalhes de seu próprio perecimento: uma imensa curiosidade; algo pueril, incrível.
A curiosidade do incrédulo que quis, deliberadamente, construir seu próprio Deus, para adorar sua própria obra, que é como adorar-se a si mesmo.
Ao final, ver como se porta esse Deus.
Sua doença era uma anemia sem dores, que lhe deixava livre o espírito para espiar a chegada da morte. Queria estar acordado, porque se dormisse, não despertaria nunca mais.
Já não tinha fé nem em si mesmo, seu único Deus.
Relampejava em seu cérebro uma duvida fastidiosa: se para além da cortina negra, que logo iria decorrer-se, haveria algo distinto do que havia pensado.
Para assistir ao ultimo minuto de sua vida e o primeiro de sua morte, com lúcido entendimento, havia se negado tomar qualquer droga que o pudesse “enturbar”.
Sua curiosidade começava a inquietá-lo:
Como se encontraria quando o braço descarnado da morte abrisse a negra cortina? Veria o que antes nunca quis ver? Um Deus, talvez?
Não um deus feito por suas mãos, senão esse Deus eterno, onipotente, ao qual nunca havia rezado?
Imediatamente pensou que morrer não era passar ao outro lado de uma cortina negra.
Posto que não tinha força nem sequer para mudar de lado em sua própria cama, morrer seria cair de cheio num abismo escuro e afundar sem ruído em uma água lodosa, pestilenta, que se fecharia sobre
sua cabeça.
Fora um ou outro, além dessa cortina ou na profundidade desse pântano hediondo, não se depararia, de repente, com essa Luz que ele havia apagado no mundo;
Luz que lhe clarearia as coisas que já não poderia mudar, porque já havia concluído o tempo para ele?
Um suor gelado banhou seus membros e a língua se regelou.
Tentou gritar e pedir que lhe trouxessem alguém com quem falar secretamente nestes últimos minutos, em que ainda podia mudar sua eternidade.
Mas, de sua garganta não saiu mais que um estertor.
– “Ainda está vivo”, ouviu que alguém dizia, tocando no seu pulso.
Sim, estava vivo e queria que entendessem que precisava o que sempre havia rechaçado, algumas vezes com escárnio e desprezo, e outras com tal ódio e fúria que agora ninguém proporia.
E sua língua já estava morta.
Lembrou-se que pertencia a uma sociedade de incrédulos que se comprometiam a não pedir auxílios religiosos na hora da morte e;
Não atender a pedidos que algum deles fizesse naquela aflição, porque seria sinal de afrouxamento cerebral.
Antecipadamente, quando ainda estavam no pleno domínio de sua inteligência e vontade, se retratavam dessa possível debilidade.
Ele se encontrava prisioneiro daquele juramento e rodeado de amigos que não o escutariam, ainda que gritasse a noite toda.
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Havia renegado a Luz e a Luz havia se retirado dele.
Havia pecado contra o Espírito Santo.
Com suas próprias mãos havia construído seu deus, um deus em que já não acreditava. E já, tampouco, sentia pavor senão o pavor daquilo que encontraria.
Oh, se fosse certo que para além da morte não existisse nada! Eis aqui que ele, pregador do “Nada”, agora acreditava que havia mentido para os outros e havia mentido para si mesmo.
Nesse momento, ouviu o médico, em voz baixíssima, dizer: – “Já está morto!”
Essa sentença prematura gelou de tal modo seu coração sem caridade, que não pode ter um só pensamento cristão. O tempo acabou!
Deu um grito espantoso, que não chegou a sair de sua garganta, e caiu, como um chumbo, na água negra e pestilenta.
A escuridão era tão imensa, que ao seu lado as mais sombrias trevas do mundo pareceriam luminosas.
Neste momento sentiu a voz de um anjo que cantava o Nome que está acima de todo nome, o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
E ocorreu o que disse São Paulo que, ao ouvir-se o nome de Jesus todo joelho se dobra nos céus, na terra e nos infernos.
E abriu-se uma porta de bronze que nenhum fogo derrete, e o homem, que nunca havia rezado para não ajoelhar-se perante ninguém, penetrou, de joelhos, nos infernos.
Oh, prodígio! A escuridão era ali muito mais densa, mas os olhos do condenado a transpassavam como flechas vermelhas;
E percebeu que ali havia penetrado a voz do anjo, e aquele mundo de impenitência o escutava, de joelhos!
E mais além, muito mais além, divisou ao que, por toda a eternidade, ia ser seu rei e senhor, rodeado de uma multidão de sombras pálidas, muito tristes, ajoelhadas.
Compreendeu, então, que o diabo formava sua escolta predileta com aqueles que nunca haviam rezado e que só nos infernos se ajoelhavam.
Compreendeu também uma coisa terrível, que havia acontecido com ele mesmo: que nenhum deles havia sido verdadeiro ateu.
Todos, no segredo de sua obstinação, haviam acreditado em Deus, mas não haviam confessado para não humilhar-se ante Ele, nem no recinto reservado de um aposento.
Agora, ao dobrar seus joelhos com espantoso rugir de ossos, sentiam o pior dos tormentos do inferno [Nota: a privação daquele Deus];
Mas sua obstinação era tão grande, que se pudessem escapar por algum resquício das irredutíveis portas, nenhum deles se arrependeria, para não rezar ao que nunca haviam rezado.
Suas almas estavam irremediavelmente secas para o Amor que nasce na humilde oração.
Foi tão horroroso seu desespero que deu um gemido, e aí ouviu seu médico dizer: – “Me equivoquei! Ainda vive! Mas logo perecerá.”
Deu-se conta então que havia sonhado com aqueles horrores e se arrependeu de sua insensatez. E com esforço desesperado conseguiu articular estas palavras: – Traga-me um sacerdote!
Uma pobre empregada, que não estava sob o juramento dos incrédulos, lhe obedeceu.
Trouxe-lhe o sacerdote, cuja mão consagrada rompeu a “couraça de barro” que envolvia seu coração; seus pecados se desprenderam de sua alma, como escamas, e pela primeira vez rezou.
Morreu uma hora depois e, de joelhos, entrou no Céu, chorando de júbilo. E pode ver Deus face a face.
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Fonte: http://muralhasdacidade.blogspot.com.br/
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