Quarta ferida – Encontro de Nossa Senhora com Seu Filho carregando a Cruz
Dezoito anos passados, com Deus na forma humana – tal a feliz sorte de Sua Mãe. Se cristo pôde, em três anos, transformar um publicano como Mateus, que não teria feito, durante trinta anos, a Própria Sabedoria, infusa n’Aquela que era já a Imaculada Conceição?
Passaram três anos de ensino público, durante os quais ouvimos falar de Maria uma vez só. Agora a espada vai penetrar mais fundo. Jesus fá-la entrar na Sua alma: aparece em Cruz, nos Seus ombros. Fá-la penetrar na alma de Sua Mãe, e é Cruz sobre o coração d’Ela.
“Jesus levando a Cruz, encontra Sua Mãe.”
Simeão predissera que Ele seria um sinal de contradição. Vê Ela agora que esse sinal de contradição era a Cruz. Sinal precursor de tudo que Ela poderia temer de horrível. Dois ramos de árvore cruzados em ângulo reto, faziam-Na pensar no dia em que uma outra árvore se levantaria contra o Seu Criador transformada em Seu leito de morte.
Pregos no soalho da oficina dum carpinteiro, um rapaz estendendo os braços – a formarem, com o corpo, uma cruz – depois de um dia de trabalho, ao sol-posto …
Eram outros tantos sinais que, por antecipação, Lhe faziam imaginar a terrível hora que havia de chegar.
Por mais que imaginemos ver um inocente sofrer pelo culpado, a realidade é sempre mais triste do que o fantasiado. Bem se exercitara Maria para receber esse golpe final, mas tudo Lhe apareceu como se fora inédito, não preparado.
Não há duas dores semelhantes: cada uma tem suas características próprias. Ainda que seja a mesma espada, a diferença está na profundidade do golpe; há sempre uma parte que nunca foi tocada.
As feridas,em Maria, Seu Filho Lhas faz. Mas o golpe vibrado em Si próprio, Ele o faz sempre mais profundo. O gume da espada era, para Ele, chamar a Si os pecados do homem e levar a Cruz, mas permitir ainda que Sua Mãe, tão pura, sofresse essa pena com Ele. Longe de ser leve, a Cruz devia parecer-Lhe mais pesada sobre os Seus ombros, quando Sua Mãe Lha viu levar.
Mas quantas vezes Nosso Senhor dissera:
“Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz e siga-me“ (S. Mateus, cap. XVI, v.24).
Se o levar a própria Cruz era a expressa condição para ser discípulo de Cristo, então a condição para ser Mãe do Salvador era levar a Cruz do Salvador, Seu Filho.
Os curiosos, que viam passar Jesus a caminho do Calvário, podiam vê-Lo levar a Sua Cruz, mas só ela sabia o fardo que Ela conduzia.
O mundo atual, não sofre apenas do temor do mal iminente – como na profecia de Simeão; do exílio causado pela cólera dum tirano – como na fuga para o Egito; da solidão e da angústia dos pecadores – como nos três dias em que Jesus andou perdido. Sofre também o moderno pesadelo do terror.
Inocentes Abéis mortos pelos Caíns soviéticos do Oriente; chineses cristãos que vivem no temor mortal duma execução; multidões sem número assustadas com as injustiças praticadas pelos comunistas – toda essa gente levantaria em vão os olhos para o Céu, se um Homem e uma mulher não tivessem sentido em Si Próprios a amargura desse terror.
E se apenas o “Homem Inocente” tivesse sentido a violência desse terror, que diriam as mulheres? Não devia também estar aí presente uma pessoa do seu sexo, cheia do mesmo terror, de modo a que ela lhes levasse esperança e consolação?
Se Deus, em Sua carne, não tivesse sofrido com paciência os julgamentos mais iníquos, teriam os padres chineses tido, em nossos dias, a coragem de marchar segundo o Seu rastro?
Se uma mulher, de pé, diante da multidão furiosa e sedenta de sangue, não tivesse partilhado dos nossos sustos, se os não tivesse feito Seus, poderia a humanidade dizer que era fácil a um Homem-Deus suportar todo o medo e todo o temor, porque Ele é Deus, ao passo que um homem é simplesmente um homem …
É por isso que Nosso Senhor deve ser novamente a Espada, nesta quarta e dolorosa ferida.
Desta vez, nem uma só palavra foi proferida, porque o terror fez calar a voz. A espada de Cristo mergulhou no Seu Próprio Coração, fez-Lhe verter gotas de sangue que caem, como as contas dum rosário – o Rosário da Redenção – ao longo do caminho, a partir de Jerusalém.
Mas a arma que Ele mergulhou na alma de Maria identificou-A aos Seus sofrimentos redentores, forçou-A a marchar por esse mesmo caminho, impregnado do sangue de seu Filho.
As Suas feridas sangraram. As d’Ele, mas não as de Maria.
Quando as mães vêem seus filhos sofrer, gostariam que fosse o seu próprio sangue a ser derramado em vez dos deles. Ora, para Jesus, era bem o sangue de Sua Mãe que Ele derramava.
Cada gota desse sangue, cada parcela desse corpo, só Ela Lhas deu, porque Ele não tinha pai humano. De maneira que era sempre sobre o Seu Próprio sangue que Ela caminhava.
Por virtude dessa dor atroz, uma suprema compaixão entrou no coração de Maria – compaixão por todos aqueles que vivem amarfanhados pelo terror. Os santos são a indulgência em pessoa para com o seu próximo, que está longe de lhes pagar em igual moeda.
Aqueles que levam uma vida fácil, despreocupada, jamais podem falar a língua dos que vivem no terror. De tal modo estão acima destes infelizes, que nem mesmo os podem ver, ou, se tal acontece, é como condescendência, não com compaixão.
Maria, pelo contrário, intromete-se na poeira das nossas vidas humanas, nos medos, nas falsas acusações, nas questões infamantes, em todos os instrumentos de tortura.
A Imaculada misturou-se com a lama, e para com os criminosos não tem nem azedume, nem rancor, mas apenas uma grande piedade, por ver que eles não sabem, não compreendem quanto os ama esse Amor que eles atiram para a morte.
Pela Sua pureza, Maria está no alto da montanha; pela Sua compaixão, está no meio das maldições dos condenados à morte, dos carcereiros, dos carrascos, do sangue. Um criminosos, no desespero da sua falta, pode não encontrar o seu caminho para Deus, para Lhe pedir perdão, mas não pode recusarse a invocar a intercessão da Mãe de Deus, que viu outros criminosos como ele, e para os quais pediu o perdão.
Se uma Mãe absolutamente santa, como Maria, que merecia que A poupassem a todo o mal, pode, pela providência de seu Filho, levar uma cruz, como é que nós – que tão longe nos encontramosda Sua pureza – poderemos escapar às nossas?
“Que fiz eu para merecer isto?” – Grito de orgulho.
Que fizera Jesus?
Que fizera Maria?
Não lamentemos que Deus nos tenha enviado uma cruz, Consideremos que Maria lá está no Seu lugar, para no-la tornar mais leve, mais doce, fazendo-a Sua.
As Dores de Nossa Senhora:
(O primeiro amor do mundo – Arcebispo Fulton J.Sheen)