Novo lado da questão: perturbação cósmica
O leitor mostra, com razão, que uma parada brusca, tanto da Terra quanto do Sol — a ser interpretado literalmente o episódio de Josué —, não é concebível com os atuais conhecimentos de mecânica celeste: a Terra gira em torno do Sol, este gira em torno do centro da galáxia, esta se movimenta em relação ao conjunto das galáxias, de forma que uma freada brusca não é sequer pensável. Basta imaginar um carro locomovendo-se a 120 km por hora, que levaria dezenas de metros até parar, depois de o motorista pisar fortemente no freio (sem falar na possibilidade de capotamento).
Em vista disso, os exegetas puseram-se em busca de explicações de ordem física para o fenômeno da “parada do Sol” descrita no livro de Josué. Segundo estas explicações, os anjos, que têm o poder de atuar sobre a matéria (não podem criá-la), poderiam ter dirigido os raios solares para a região da batalha de Josué, de forma a ficar ainda dia claro, para que ele pudesse concluir sua vitória sobre os cinco reis amorreus coligados contra o povo de Israel.
Neste caso, nem o Sol teria parado, nem a Terra. A partir da premissa filosófico-teológica de que os anjos podem atuar sobre a matéria, a explicação é coerente e aceitável. Basta pensar nos demônios dos ares, aos quais Deus permite que atormentem os homens com o arremesso de panelas, louças e outros objetos –– os chamados em alemão poltergeist, cuja atuação está bem documentada. Se Deus permite que os demônios — que são anjos (maus) — façam isso, com muito maior razão move os anjos bons para que façam o bem aos homens. No caso concreto, a defesa do povo eleito contra o ataque de seus inimigos.
Mesmo neste caso, é justo falar em milagre, porque as leis da natureza são aí manipuladas pelos anjos de uma maneira que não é dada aos homens. O milagre neste caso, nos termos descritos, é perfeitamente possível sem nenhuma perturbação cósmica.
Aliás, há um fato moderno de notoriedade mundial, que também desafia as leis da ciência, e para cuja explicação não se chegou ainda a um consenso. É o chamado Milagre do Sol, ocorrido no dia 13 de outubro de 1917 em Fátima, e testemunhado por uma multidão calculada em 50 mil pessoas. Já tratamos desse assunto em nossa matéria de maio deste ano, na qual mostramos que algumas explicações têm sido tentadas, pois nesse caso também é inimaginável, segundo as leis da física, que o Sol tenha se precipitado sobre a Terra.
Pode ter ocorrido então um fenômeno visual semelhante ao da explicação dada para o episódio de Josué: os anjos, a mandado divino, teriam dirigido os raios solares de maneira a parecer que o Sol despencava sobre a Terra. Ou também, segundo outros, que tivesse ocorrido um fenômeno atmosférico natural, como o das “lentes de ar”, que produzisse o mesmo fenômeno visual (cfr. Catolicismo, nº 689, maio de 2008).
De qualquer modo, não pode deixar de ser qualificado como miraculoso que esse fenômeno natural, aliás raríssimo, tivesse ocorrido precisamente no dia, hora e local anunciados pelos videntes com três meses de antecedência. Neste caso os anjos também teriam atuado, não para dirigir os raios solares, mas para criar condições atmosféricas tais que os raios solares, incidindo sobre essas “lentes de ar”, produzissem o fenômeno descrito por dezenas de milhares de testemunhas.
Explicação segundo a exegese mais recente
Josué ordena ao Sol que pare – Joseph-Marie Vien, séc. XVIII. – Foto
Tudo isso levou os exegetas a procurarem outro caminho.
Analisando literariamente a narrativa do episódio, verifica-se que o feito profético de Josué –– deslocando-se para Gabaon numa marcha noturna de 30 km, surpreendendo os cinco reis coligados e derrotando-os –– constituiu uma proeza que pareceu aos coetâneos tão grande, que não caberia na longitude de um dia. Ademais, Josué contava com a promessa divina: “Não os temas, porque eu os entregarei nas tuas mãos e nenhum deles te poderá resistir” (Livro de Josué 10, 8).
Desse modo, o feito assumiu contornos épicos e foi cantado em prosa e verso. A licença poética teria então posto nos lábios de Josué a interpelação ao Sol e à Lua, para que parassem, a fim de aumentar a extensão do dia, permitindo que nele coubesse toda a proeza realizada.
Nesta hipótese, não teria havido um milagre físico, e sim uma ajuda divina especialíssima, dando a Josué e seus guerreiros a força e a destreza para realizar com êxito toda a operação bélica.
Essa a interpretação da Bíblia Comentada dos professores de Salamanca (BAC, Madrid, 1961, vol. 2, p. 45).
Como a exegese moderna tende — de modo questionável e perigoso — a encontrar uma explicação natural para todos os fatos narrados na Bíblia, compreendemos que alguém receba essa interpretação com reservas. De qualquer modo registramo-la, para que o leitor tome conhecimento de todos os enfoques da questão, e assim compreenda a cautela que é preciso ter nessas matérias. Sempre tendo presente a afirmação de Nosso Senhor: “Aos homens isto é impossível, mas a Deus tudo é possível” (Mt 19,26; Mc 10,27).
Fonte: Catolicismo