Aos poucos, Clara vai descobrindo o quão amarga e sem fé era a vida de sua amiga Ani. E agora o futuro reservou a ela apenas sofrimento e ódio.
Vamos acender uma vela para que possamos sempre andar de acordo com os Santos Ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, obedecendo-O como Sua Mãe, A Santíssima Virgem Maria, nos pediu.
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Na noite em que uma apoplexia vitimou meu pai mortalmente, aconteceu algo que nunca te confiei, por temer desagradável interpretação de tua parte. Hoje, porém, deves sabê0lo. Esse fato é memorável, porque foi pela primeira vez que o meu atual espírito carrasco se acercou de mim.
Eu dormia no quarto de minha mãe. Suas respirações regulares denotavam seu profundo sono.
De repente ouvi chamar meu nome. Uma voz desconhecida murmurou: “Que acontecerá, se teu pai morrer?”
Eu não amava mais meu pai, desde que ele começara a maltratar minha mãe. Já não amava propriamente ninguém: só me prendia a alguns que eram bons para mim. – Amor sem intuito natural existe quase só nas almas que vivem em estado de graça. Nele eu não vivia.
Respondia assim ao misterioso interlocutor: “Com certeza ele não morre”.
Após breve intervalo, ouvi a mesma bem compreendida pergunta sem me incomodar de saber, de onde provinha.
“Qual o que! Ele não está morrendo” escapou-me casmurra.
Pela terceira vez fui interrogada: “Que acontecerá se teu pai morrer?”
De relance me surgiu no espírito como meu pai freqüentes vezes voltava para casa meio bêbado, ralhando e brigando com mamãe e quanto ele nos envergonhava perante os vizinhos e conhecidos!
Gritei, então embirrada: “Pois não, é quanto merece! Que morra!”
Depois, ficou tudo quedo.
Na manhã seguinte, quando mamãe foi para arrumar o quarto de papai, encontrou a porta fechada. Ao meio dia abriram-na à força. Papai encontrava-se meio vestido em cima da cama – morto, um cadáver. Ao procurar cerveja na adega, deve se ter resfriado. Desde muito, estava adoentado. – (Será que Deus fez depender da vontade de uma criança, a quem o homem demonstrava bondade, o conceder-lhe mais tempo e ocasião para se converter?)
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Marta K. e tu me fizestes ingressar na associação das moças. Nunca te escondi que achava as instruções das duas diretoras, duas senhoras X., assaz vigaristas. Achava os jogos bastante divertidos. Conforme sabes, cheguei, em breve, a sustentar nele papel preponderante. Isso era o que me lisonjeava. Também as excursões me agradavam. Deixei-me até levar algumas vezes a confessar-me e comungar. Propriamente não tinha nada para confessar. Pensamentos e sentimentos comigo não entravam em conta. Para coisas piores eu não estava madura ainda.
Admoestaste-me um dia: “Âni, se não rezares mais, perder-te-ás”. Eu rezava realmente muito pouco; e também só contrariada, de má vontade.
Tinhas tu, sem dúvida, razão. Todos os que no Inferno ardem, não rezaram, ou não rezaram bastante. A oração é o primeiro passo para Deus. Sempre decisivo. Mormente a oração para aquela que é a mãe do Cristo, cujo nome não nos é lícito pronunciar. A devoção a Ela arranca ao demônio inúmeras almas, que os pecados lhe teriam infalivelmente atirado às mãos.
Furiosa continuo – por ser forçada: rezar é o mais fácil que se pode fazer na Terra. Justamente a essa facilidade Deus ligou a salvação.
A quem reza coma assiduidade, Deus dá, paulatinamente, tanta luz e fortalece-o tanto que o mais afogado bode de pecador se pode definitivamente levantar pela oração, ainda que esteja submerso na lama até ao pescoço.
Nos últimos anos da vida eu deveras não rezava mais e assim me privava das graças, sem as quais ninguém se pode salvar.
Aqui não recebemos mais graça alguma. Mesmo que a recebêssemos, com escárnio a rejeitaríamos. Todas as vacilações da existência terrestre acabaram no além.
Continua na póxima quarta-feira…