O celeste pintor
Nossas considerações podem ser resumidas numa metáfora empregada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Comparou ele a história do mundo e da Igreja a um grande quadro, onde um celeste pintor teria representado toda a beleza e ordem da Criação.
Para maior brevidade, imaginemos a aldeia descrita no início deste artigo, não com suas limitações, mas acrescida de todas as perfeições possíveis, refulgindo em todo o seu esplendor: harmonia das classes sociais, das famílias, das pessoas de todas as idades e condições, das demais criaturas dos reinos animal, vegetal e mineral. Tudo estaria ali representado em conformidade com os planos de Deus, dando uma idéia do paraíso terrestre.
Na calada da noite, enquanto o celeste pintor adormece, a mão misteriosa de um ente maligno adultera completamente esse quadro: o comerciante digno e honesto tornou-se vulgar ladrão; a linda e virtuosa princesa é agora vil prostituta; o nobre e heróico cavaleiro transformou-se em repugnante efeminado; o grande rei bondoso transformou-se em desprezível escravo revoltado; a criança inocente passou a ser a própria encarnação do vício.
As mesmas adulterações se verificam nas paisagens e demais detalhes: palácios de conto de fadas transformados em horríveis pardieiros; lindos pássaros tornaram-se monstros; até a vegetação ficou pavorosa e agressiva, como num retrato do inferno.
Pode-se imaginar o assombro e a indignação do celeste pintor diante dessa pavorosa desfiguração de sua obra? Haverá exagero nessa comparação entre o mundo de hoje — deformado por uma Revolução que vem corrompendo a civilização cristã desde o século XVI — e os desígnios do celeste pintor, o próprio Deus?
Como “restaurar” o Natal?
Em suas linhas essenciais, a metáfora retrata sem dúvida a ação satânica para desfigurar a Santa Igreja Católica e demolir brutalmente a Civilização Cristã.
Se notamos traços desse pesadelo neste Natal de 2002, o que fazer? Se não sentimos mais aquele clima natalino, outrora tão acentuado e que se percebia em todos os lugares, o que fazer?
Se a frágil barquinha de nossa alma, ou mesmo a barca da Igreja, for agitada pelas borrascas deste mundo, saibamos manter inabalável a confiança no Coração de Jesus e de Maria5.
Voltemos nosso olhar para o presépio. Aquele Menino envolto em panos e aquecido pelo bafo dos animais é o Anjo do Grande Conselho, é o Filho de Deus! “Senta-te à minha direita até que eu ponha teus inimigos por escabelo de teus pés”, diz-lhe o Padre Eterno, com o qual Ele é Um. Em outras palavras, aquele frágil Menino é Deus onipotente, Criador dos Céus e da Terra! É Ele o celeste pintor, e portanto pode anular num instante a deformação realizada em sua obra pelo Maligno!
Mas o que posso eu, pobre mortal, “vermezinho e miserável pecador6”? O que podeis vós, leitor, leitora?
“Tudo posso naquele que me conforta”, devemos responder com São Paulo7. Mas poderemos muito mais ainda se nos voltarmos para a Rainha de quem o Menino Deus quis depender totalmente para vir morar entre os homens.
Vida, doçura, esperança nossa, Maria pode tudo junto ao Altíssimo. Mãe de Cristo, Mãe nossa! Advogada nossa! É só nos ajoelharmos diante do Presépio, pedirmos tudo o que quisermos ou tudo o que Ela nos quiser dar. Rainha dos corações, Ela pode obter de seu Filho os maiores milagres espirituais ou físicos. Jesus tem poder sobre os vulcões e os terremotos, os ventos e os mares. Ele pode transformar as pedras brutas em filhos de Abraão, ou seja, em homens justos! E Maria Rainha tem o poder da súplica sobre seu Filho onipotente!
Nesse sentido, leitor, se possível, monte um Presépio em seu lar; reze com sua família diante dele; pode também enfeitar uma árvore de Natal; narre aos filhos contos natalinos tradicionais; fale a respeito das cenas relacionadas com o nascimento do Menino Jesus; ensine aos pequenos as belas canções natalinas antigas; mostre que Natal não é sinônimo de presentes, sobretudo não é ocasião de comércio, muito menos de passeios; na noite de Natal, prepare uma ceia iluminada à luz de velas e iniciada por orações próprias para a ocasião.
Esses são alguns meios entre vários, mas de que todos dispomos para contribuir para restaurar um pouco da atmosfera de Natal em nossas casas. Quem sabe os vizinhos imitem, e se forme assim uma cadeia de luzes! Até o momento bendito e tão esperado em que, por iniciativa de Deus, essa aprazível e benéfica atmosfera de bênçãos e graças se expanda vitoriosamente pelas cidades, pelo País, pelo mundo.
Notas:1.Cf. Epístola a Tito 2, 11-15.2.Gradual da primeira Missa de Natal.3.Gen. 9, 20-27.4.Por exemplo: Paulo VI, na alocução Resistite fortes in fide, de 29 de junho de 1972; João Paulo II, na alocução de 6 de fevereiro de 1981 aos participantes do congresso “Missões junto ao povo para os anos 80”; Cardeal Ratzinger, no livro Rapporto sulla fede (Paoline, Milano, 1985, pp. 27 ss.).5.Os corações — ou seja, as vontades, as mentalidades de Jesus e de Maria — são de tal maneira unidos, que formam como que um só coração, segundo a espiritualidade ensinada por São João Eudes.6.Consagração à Sabedoria Eterna e Encarnada pelas mãos de Maria, de São Luís Maria Grignion de Montfort.7.Epístola aos Philipenses, 4,13.
Fonte: Catolicismo