O Carmelo e a Virgem Santíssima.

Um traço inconfundível dos místicos carmelitas é a devoção à Virgem Maria.
Altar de Santa Maria da Vitória - Roma
Altar de Santa Maria da Vitória – Roma

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Um traço inconfundível dos místicos carmelitas é a devoção à Virgem Maria.


Desde a fundação da Ordem do Carmo, que remonta ao século XI, quando vários cristãos leigos se decidiram a viver como eremitas no Monte Carmelo, é grande a sua devoção a Nossa Senhora.

É sabido, por exemplo, que esses religiosos se reuniam todos os dias, de acordo com a regra elaborada pelo bispo de Jerusalém, e rezavam Santa Missa em uma capela dedicada à Virgem.

No século XIII, a própria Mãe de Deus apareceu a São Simão Stock, a fim de instituir a devoção do escapulário do Carmo. Mais tarde, os carmelitas começariam a aplicar a ela a profecia de Isaías:


“Data est ei decor Carmeli – ser-lhe-á dada a beleza do Carmelo”.


A história de amor dos carmelitas à Virgem Santíssima encontra seu ponto alto nos reformadores do século XVI, Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz, em cujas obras se encontra uma sólida doutrina sobre a vida interior.

Santa Teresa de Jesus, falando às suas irmãs, escreve:


“Todas nós, que trazemos este sagrado hábito do Carmo, somos chamadas à oração e à contemplação. Foi esta a nossa origem”.


De fato, a tradição dos santos padres do Monte Carmelo é ligada à vida contemplativa.

Quando a Terra Santa foi invadida, os carmelitas tiveram que migrar para a Europa, levando uma vida cenobítica, e, como na mesma época foram fundadas as Ordens mendicantes, também eles de alguma forma foram associados a esse carisma.

A reforma que Santa Teresa e, depois, São João da Cruz, empreenderam no Carmelo pretendia recuperar a sua vocação à vida interior, esquecida pelos religiosos de sua época.

Mas, afinal, qual a importância de voltar-se para a vida contemplativa?

Em primeiro lugar, todos nós, batizados, estando em amizade com Deus, temos a inabitação trinitária, de forma que podemos, já aqui na Terra, experimentar um antegozo do Céu.

Para chegar, no entanto, ao “matrimônio espiritual” com Deus, é preciso uma purificação ativa do coração.

São João da Cruz diz que a “perfeita união com Deus” consiste:


“Na transformação total da vontade humana na divina, de modo que não haja nela coisa contrária a essa vontade, mas seja sempre movida, em tudo e por tudo, pela vontade de Deus”.


Aqui já se encaixa a figura de Nossa Senhora, que, diante do anúncio do anjo, respondeu prontamente:


Fiat mihi secundum verbum tuum – Faça-se em mim segundo a tua palavra”.


É claro que, para chegar a essa união, é preciso um longo caminho de purificação, que com razão se pode chamar de “subida do Monte Carmelo” – muito embora esta não seja uma aspiração restrita aos carmelitas, mas a todos os cristãos.

O Doutor Místico escreve, falando de como as três virtudes teologais nos ajudam na purificação das três potências da alma:

“Devendo falar do modo de introduzir as três potências da alma – entendimento, memória e vontade – na noite espiritual, a fim de alcançar a divina união, é necessário primeiramente demonstrar aqui o seguinte:

As três virtudes teologais, fé, esperança e caridade – que se relacionam às ditas três potências, como próprios objetos sobrenaturais servindo de meio para a alma se unir com Deus segundo suas mesmas potências –, produzem em cada uma destas vazio e obscuridade.

A fé age assim no entendimento, a esperança na memória, e a caridade na vontade.

Veremos sucessivamente como o entendimento se aperfeiçoa nas trevas da fé, a memória no vazio da esperança e, afinal, como a vontade há de sepultar-se na privação de todo afeto para chegar à união divina. (…)

Ainda repetimos: a alma, nesta vida, não se une com Deus por meio do que entende, goza ou imagina, nem por coisa alguma que os sentidos ofereçam, mas unicamente pela fé quanto ao entendimento, pela esperança segundo a memória, e pelo amor quanto à vontade.”  (…) 

“Devemos, pois, levar as três potências da alma às três virtudes teologais, de modo a ser cada potência enformada pela virtude que lhe é correspondente, despojando-a e pondo-a no vazio de tudo quanto não se refira às mesmas três virtudes.

É esta a noite espiritual que chamamos ativa, por causa das diligências empregadas da parte da alma para nela entrar.

E assim como, na noite do sentido, indicamos o meio de privar as potências sensitivas de todo o apetite de objetos sensíveis a fim de facilitar à alma a passagem do estado natural para o sobrenatural, isto é, para a vida da fé, explicaremos agora, com a ajuda de Deus, a maneira de despojar e purificar as potências espirituais na noite do espírito, deixando-as permanecer na obscuridade das três mencionadas virtudes que constituem o meio e a disposição para a alma unir-se com Deus.”


Para atingir essa união, portanto, é necessário que nos esvaziemos totalmente de nós mesmos, dispondo ativamente o nosso coração para que Deus o vá purificando passivamente.

Neste processo, a devoção à Maria Santíssima é fundamental.

Desde o princípio, os carmelitas – repetindo que Carmelus totus Marianus est – já se consagravam a Nossa Senhora, chegando a falar, séculos antes de São Luís de Montfort, de “escravidão” à Virgem.


Ao professarem o voto de obediência, os seus membros religiosos faziam-no não só a Deus, como também a Nossa Senhora do Carmo.


Também com o escapulário, eles recordam o seu compromisso e a amizade que devem ter com a Mãe de Deus, imitando as suas virtudes e como que “se vestindo” dela – já que Maria não só é modelo de santidade, como coopera diretamente em nossa santificação.

Em resumo: dentro de nós, batizados, habita a própria Santíssima Trindade.

No entanto, ainda não chegamos à perfeita união com Deus, porque nossa vontade não está totalmente unida à d’Ele.

Para chegar a isso, Maria Santíssima nos ajuda, pois, sendo plenamente configurada a seu Filho, ela gera em nós um coração submisso e conformado ao Coração divino.

Isso, porém, não é um ato mágico.

O escapulário, por exemplo, só é instrumento de salvação na medida em que é usado devotamente, a partir da vivência das virtudes da Santíssima Virgem: de sua fé – que Santa Isabel exalta quando exclama:

“Feliz aquela que acreditou…” –, de sua esperança – elevando os nossos corações ao alto e tendo os olhos fixos no Céu – e de sua ardente caridade – que Pio XII definiu como “essência da vida contemplativa”.

Também é preciso imitar o seu silêncio, sem o qual é impossível ter vida de oração e encontrar Deus escondido em nossa alma.

Ao mesmo tempo, urge que nos purifiquemos – algo que Nossa Senhora não fazia, já que foi preservada da culpa original.

Santa Teresa de Jesus insiste, por exemplo, em seu Caminho de Perfeição,que pessoas que não querem sofrer não podem ter vida de oração.


Importa muito sofrer, não por vaidade ou para ser um “super-herói”, mas para amar a Deus.


Quando morreu sua mãe, Santa Teresa conta, em sua autobiografia, como se colocou aos pés de uma imagem de Nossa Senhora e tomou-a por sua mãe.


Que nós, assim como Teresa e os filhos da Ordem do Carmo, assumamos a Virgem Santíssima como nossa mãe, pois, verdadeiramente, é ela quem gera Cristo em nós.

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Fonte: padrepauloricardo.org

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