Parece ser que viver a fé na vida política não é debater dentre os diversos modelos de reforma política, mas aceitar apenas o da Coalizão. Reflexões de Paulo Jacobina, Procurador Regional da República e Mestre em Direito Econômico
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Domingo fui à missa, como costumo fazer nos domingos, com a minha família.
Estava ocorrendo uma “missa sertaneja” na minha paróquia, de modo que tive que acompanhar a procissão de entrada com uma versão mal adaptada do “Menino da Porteira”, ouvir o “Luar do Sertão” como salmo responsorial e ir à fila da comunhão sob o som da “Tristeza do Jeca”.
Enfim, ao menos houve o cuidado de adaptar as letras da música para uma vaga expressão de religiosidade; um pouco mais piedoso do que certa missa celebrada em homenagem às mães na escola católica em que meus filhos estudam, em que as leituras foram substituídas por textos do santo fundador, ou mesmo uma missa de sétimo dia ocorrida numa paróquia de religiosos daqui da nossa Arquidiocese, em que o salmo responsorial era de Renato Russo e os textos da liturgia da Palavra proclamaram poemas de Carlos Drummond de Andrade.
Na segunda, resolvi passar numa livraria católica, para comprar um exemplar da encíclica “Veritatis Splendor”, que gosto de folhear para servir de inspiração ao meu trabalho jurídico.
Quase não encontrei: perdida por trás de outros livros, numa estante remota.
Como destaques na vitrine, livros teológicos de autores tais como Roger Haight, Andrés Torres Queiruga, Marciano Vidal, Leonardo Boff, só para citar alguns que lembro de cabeça.
Todos já notificados por heresia pela Congregação para a Doutrina da Fé da Santa Sé.
Havia outras obras igualmente destacadas, com títulos como “Uma Outra Igreja é Possível” (parece que já se dá por certo que esta já não é mais possível) ou “Ovelhas ou Protagonistas”, sobre o papel de leigo (Parece que o autor descobriu que Jesus seria um pastor de “protagonistas”, não
de ovelhas).
Já no trabalho,
Percorrendo o noticiário eletrônico, descubro, pela internet, que como cristão, não devo ficar com os braços cruzados, mas lutar pela imediata implantação da “reforma política popular” oferecida por uma certa “Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições limpas”.
No site “Reformapolitica.org.br”, um diácono católico me alerta que “para os maniqueístas que defendem que a Igreja não deve mexer com política, é necessário lembrar que a CNBB participa ativamente deste processo.
E, por uma questão de consciência, assinala Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, bispo auxiliar de Belo Horizonte e responsável pela Comissão para o Acompanhamento da Reforma Política, trata-se de um ato que tem como motivação a vivência da fé.”
Mas viver a fé na vida política, sou logo advertido, não é debater dentre os diversos modelos de reforma política, mas aceitar apenas a da Coalizão.
E concluir, com ela, que a atual classe política está constituída majoritariamente de gente ilegítima até mesmo para participar de um debate assim.
Qualquer outra proposta é “contrarreforma”, o que soa como reacionarismo da elite dominante contra a vanguarda popular presidida por
esta “coalizão”.
Leio um artigo publicado no site “Adital”: “Para D. Leonardo Steiner, Secretário Geral da CNBB, ‘a maioria dos congressistas não têm interesse em reformar o sistema político e eleitoral do nosso país porque se encontram em zona de conforto no atual sistema. É necessária uma conjunção de forças, no sentido de unificar objetivos e áreas a serem reformadas’”.
Seria necessário, segundo tais pensadores, uma “Constituinte exclusiva” para a reforma política. Nossa atual Constituição não serviria mais.
Na verdade, parece que a Coalizão vê esta falta de legitimidade política dos políticos brasileiros especialmente no PMDB: “Na próxima quarta-feira, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil realizarão um ato público contra a proposta de reforma política defendida pelo PMDB, no Congresso Nacional.”
É a notícia publicada no site “poder Online”. Na verdade, o site Adital complementa as informações, assim: “A informação é do professor Daniel Seidel, membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, assessor político da CNBB, uma das organizações que integram a Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”.
Este Daniel Seidel, tomo conhecimento também pela Internet, fala pelos bispos mas não é bispo. Parece que tem filiação partidária, e que já foi candidato, mas por um partido devidamente popular e vanguardista.
Ele chama as outras propostas de reforma política de “contrarreformas”: “como o tempo político no Congresso se acelerou com o andamento de uma contrarreforma e já acelerada, nós vamos fazer chegarem as assinaturas”, observa.
Ainda atribui a resistência de setores católicos à reforma proposta pela entidade que representa como “falácias contadas à opinião pública sobre a campanha da reforma política, preconizada
pela Coalizão.”
Lembra que “os quatro pontos principais da proposta são: a proibição do financiamento de campanha por empresas e adoção do financiamento democrático de campanha; eleições proporcionais em dois turnos; paridade de gênero na lista pré-ordenada; e fortalecimento dos mecanismos da democracia direta, com a participação da sociedade em decisões nacionais importantes.”
Curiosamente…
No site do PT http://www.pt.org.br/reformapolitica/, há a propaganda de uma “reforma política de iniciativa popular”, cujas assinaturas estão sendo colhidas em algum lugar que o site não especifica, com as seguintes características:
“Convocar uma Constituinte exclusiva”, por coincidência também proposto pela Coalizão, o voto em lista pré-ordenada, um aumento real da presença das mulheres em todas as instâncias da política nacional (ou de gênero, como diz a cartilha da Coalizão), e o financiamento público
de campanha.
Num outro site sobre reforma política, chega a notícia:
“Na tarde desta quarta-feira (3), foi a vez do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva votar “sim” no Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político, durante um evento em Salvador (BA)”. Há uma foto vistosa de um palanque e do referido político, em pé, a assinar um documento.
Num corredor de sacristia, num desses finais de semana de missas sertanejas, ouvi duas pessoas conversando sobre o panelaço ocorrido na semana passada, durante o programa do PT:
“são os coxinhas, eles não se conformam por terem perdido as empregadas domésticas, por terem que dividir os aeroportos com os pobres, por terem que dividir as universidades com os afrodescendentes, os médicos cubanos revolucionaram o problema da saúde no Brasil”.
Bom, não tenho empregadas, não curso universidades e frequento muito raramente os aeroportos. Nunca utilizei os serviços dos médicos cubanos.
Mas minha faxineira leva mais de três horas para se deslocar da sua casa até a minha, de ônibus. Talvez ela não saiba que deveria vir de avião.
Quanto a mim,
Estou aguardando para obedecer aos nossos bispos. Quero ser um bom católico.
Se para isso é necessário passar a cantar “Menino na Porteira” para comungar, considerar ilegítimos e contrarreformistas todos os que discordem da reforma política acima descrita, ser representado por leigos militantes partidários em nome da Conferência dos nossos bispos, ler Boff, Vidal e Queiruga como teólogos de referência e defender que a Constituição Brasileira já não serve, e que qualquer um que reclame contra as políticas do governo é um “coxinha” reacionário e explorador de um sistema “excludente” que não aceita que os pobres andem de avião, então vamos.
Se é necessário acreditar que, apesar de divulgada no site do PT e concordar ponto por ponto com as propostas daquele partido, a iniciativa popular da “coalizão” é independente, e se isto é devido por força da obediência ao magistério da Igreja no Brasil, nos esforçaremos por obedecer.
Já tivemos um Bispo vanguardista no poder, no Paraguai. Parece que os “maniqueístas que defendem que a Igreja não deve participar da política” o derrubaram. Conta o ex-presidente do Uruguai em sua Biografia, recentemente publicada:
“Um encontro tão fugaz e repentino entre presidentes levantaria suspeitas, motivo pelo qual o governo brasileiro resolveu enviar um avião a Montevidéu para transportar o emissário de Mujica à residência de Dilma, em Brasília. (…)
Durante a conversa, Dilma mostrou a ele fotos, gravações e informes dos serviços de inteligência brasileiros, venezuelanos e cubanos, que registravam como foi gestado um ‘golpe de estado’ contra Lugo por um grupo de “mafiosos” que, a partir da queda do presidente, assumiram o poder.
‘O Brasil necessita que o Paraguai fique de fora do Mercosul para, dessa forma, acelerar as eleições no país’, concluiu Dilma. (…)
Na semana seguinte, no início do julho de 2012, todos os presidentes do Mercosul votavam, em uma cúpula na cidade argentina de Mendoza, a suspensão do Paraguai.”
Fechar os olhos, engolir, obedecer, seria o novo lema para o resto de nós.
Parece que não sabemos nem ver por nós mesmos, nem julgar adequadamente, nem agir senão reacionariamente. Seremos, parece, reeducados pelos “protagonistas” de uma “nova Igreja”.
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Fonte: http://www.zenit.org/
2 Comentários
Não são só sertanejas. Há missas ditas inculturadas de teor gauchesco, árabe, afro, que deformam completamente a sacralidade do ato.
Se Jesus foi crucificado por querer Justiça e amor ao próximo, porque razão a Igreja não tem que fazer o mesmo defender a Justiça para os injustiçados, defender a Verdade contra a Mentira , defender e insistir contra a Lei que favorece o aborto , verdadeiro massacre de inocentes, defender o tráfico humano principalmente mulheres que vão servir em prostíbulos!
A Igreja existe para espalhar a Fé e a Palavra de Jesus, mas também existe para o resto….