São Dimas — O que o “Bom Ladrão” tem a nos ensinar?

As Três Cruzes (detalhe) – Vincenzo Foppa (séc. XV). Museus Diocesano de Milão (Itália).

Adalberto Ferreira da Cunha

Três condenados! No centro, o Inocente por excelência. Nascido inocente, passou a vida fazendo o bem. Por isto, O crucificaram.

À esquerda, um criminoso. Vivera como celerado. Condenado, não se arrependera da vida criminosa. Impenitente, padecia o seu suplício. Pior. Atacava insolentemente o Justo
por excelência.

À direita, outro malfeitor. Vivera também como celerado. Condenado, expiava seus crimes. Penitente, do alto de sua cruz, esquecido dos próprios sofrimentos, tomou a defesa do Inocente.

Essas são também as atitudes dos descendentes de Adão e Eva neste vale de lágrimas.

O pecado fora de Adão. O novo Adão expiava por todos. Maria, a nova Eva, estava junto à Cruz. Inocente desde a concepção, no nascimento e durante toda sua vida, intercedia ali por todos.

São Lucas descreve a cena. Fala o impenitente:

“Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós. Mas o outro, respondendo, repreendeu-o: ‘Ainda assim tu não temes a Deus, estando no mesmo suplício: e nós, na verdade por nossa culpa, porque recebemos o que merecem nossas obras; mas este, não fez mal algum”.

E dizia a Jesus: ‘Senhor, lembrai-vos de mim quando estiveres em teu reino’. E Jesus lhe disse: ‘Em verdade te digo, que hoje mesmo estarás comigo no paraíso’”. (Lc, 23, 39-43)

A maravilhosa conversão do bom ladrão

São Dimas emerge assim na História. Dele nada se sabe ao certo. Piedosas revelações apontam um encontro seu com a Sagrada Família em fuga para o Egito.

Também há referências de que sua conversão se dera quando a sombra da Cruz de Nosso Senhor se projetou sobre ele. Ou ainda, que Nossa Senhora estando entre seu divino Filho e São Dimas, intercedera por ele.

Esquecido dos seus sofrimentos, advogou a inocência de Nosso Senhor. Reprovou a atitude blasfema de Gestas — nome do mau ladrão, segundo a tradição —, e a atitude dos Doutores da Lei, fariseus etc., expondo-se a maiores tormentos. Nada o deteve.

Cornélio a Lápide, o grande exegeta do século XVII, comenta: 

“Aprendamos com esta força, eficácia e rapidez da graça de Cristo, pela qual, a partir da própria cruz, Ele fez um homem santo, santíssimo. Foi maravilhosa a conversão de Santa Maria Madalena; maravilhosa a de São Paulo. Mas muito mais maravilhosa foi a do ladrão. Porque Santa Maria ouviu os ensinamentos e presenciou os milagres de Cristo.

E São Paulo sentiu em si o ataque celestial de Nosso Senhor. Mas o ladrão, na cruz, onde Cristo padecia a infamante morte atroz como criminoso, converteu-se para Ele por atos heroicos de fé, amor e devoção etc.” (Comentários ao Evangelho de São Lucas, ver. 42 § 2).(1)

“Da cátedra de sua Cruz, proclamou Cristo”

Vários santos e Padres da Igreja, citados por Cornélio a Lapide, descrevem o ato heroico de São Dimas: “São Cirilo repete com São Leão: ‘Que virtude o iluminou, oh ladrão? Quem lhe ensinou a amar o castigo quando estavas cravado na cruz? Ó luz imorredoura, que brilha nas trevas’”.
(id. ib. § 4)

“O abade Arnaldo afirma que o ladrão foi levado aos Céus e possui um trono acima de todos os anjos, querubins e serafins, acima até do destinado a Lúcifer.

“Stephen Binettus, em seu livro sobre o Bom Ladrão, o proclama como ‘o Arcanjo do Paraíso, o primogênito de Cristo crucificado, o mártir, apóstolo e pregador diante do mundo todo, o qual, da cátedra de sua cruz, proclamou Cristo diante de todo o mundo’. ‘Paulo’, diz ele, ‘pregou como um querubim, o ladrão do amor, como serafim’” (id. ib. § 8).

Prossegue Cornélio a Lapide, citando Santo Atanásio: “Ó excelência que és! Foste crucificado como ladrão, mas terminaste como um evangelista”. 

São João Crisóstomo qualifica-o de “um profeta que ensina e proclama a grandeza de Cristo”. E também como “advogado de Cristo, porque o defendeu face aos judeus como um advogado” [id. ib. § 12].

“Proclama São Dreux, ermitão: ‘Foste Pedro na cruz; e Pedro na casa de Caifás foi ladrão’, porque negou a Cristo, a quem confessou o ladrão na cruz diante do povo” (id. ib. § 13).

O criminoso arrependido conquista o Paraíso

Coloquemo-nos na ótica dos dois ladrões. Condenados, crucificados, assim como Jesus, aguardavam a morte. Porém, “até o fim, Jesus permanece como aquele sinal de contradição, anunciado profeticamente por Simeão.

Os dois malfeitores crucificados, um à sua direita e o outro à sua esquerda, lembram todos os que devem tomar partido por ou contra Jesus durante sua vida, uns escarnecendo-O e rejeitando-O, outros implorando com fé na salvação que ninguém, exceto Ele, pode lhes proporcionar.

Os dois malfeitores prenunciam assim os que no futuro terão os olhos postos no crucifixo: também eles deverão escolher, entre as orações e os insultos, sobretudo quando estiverem crucificados como Jesus, no cadinho do sofrimento e submetidos à lei da morte”.(2)

Um quis buscar alívio no ataque ao Justo e ser simpático aos seus algozes. Em seu desespero, procurava uma saída para seus males, como quem dissesse: “Médico, cura-te a ti mesmo e a nós” (S. Lucas, 4, 23).

Ou seja, o mau ladrão dizia: Usa apenas a misericórdia. Desce da cruz e nos salva, ó Cristo. Livra-nos da cruz e restaura-nos a vida e a liberdade.

Em outras palavras — e sarcasticamente —, agimos mal e não nos arrependemos. Queremos tua misericórdia para continuarmos a
praticar o mal!

O outro louvava a Deus na sua Justiça. E desinteressadamente O defendeu. Depois, proferiu uma súplica de penitente: “Senhor, lembra-te de mim quando estiveres em teu reino” (S. Lucas, c. 23, v. 42).

Equivale a dizer: Médico, tende misericórdia deste pecador. Curai minhas chagas. Salvai-me. Não nesta vida, mas no vosso Reino.

Esta súplica recebeu da parte de Nosso Senhor a maior promessa, a promessa única de estar com Ele ainda naquele dia no Paraíso. Há uma comparação a esse propósito que convém destacar: de um lado, Adão, pelo pecado, foi expulso do Paraíso (terrestre); de outro lado, o criminoso arrependido alcança o Paraíso Celeste.

Ideal cristão é vilipendiado, caluniado, traído

Os santos são modelos para nós. As circunstâncias variam, mas o exemplo deles ilumina os caminhos dos viandantes nesta Terra.

Assistimos hoje só espetáculo de desatinos e crimes, só comparáveis às piores crises que culminaram com o desaparecimento das grandes civilizações da Antiguidade.

O processo revolucionário, como o descreveu Plinio Corrêa de Oliveira, atinge seu apogeu. Restam apenas escombros do que foi outrora a civilização cristã.

O ideal cristão, consubstanciado na Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana, é hoje vilipendiado, caluniado, traído como jamais o fora ao longo de sua história bimilenar.

Esse ideal cristão, pode-se dizer, encontra-se consubstanciado na Cruz, no alto do Gólgota da História. Pouco resta de sua antiga glória, abandonado e traído até por muitos de seus filhos.

O mundo moderno não aceita dogmas. Não reconhece a Lei divina e a Lei natural. Se quisermos ser bem vistos, é imprescindível à adaptação aos novos tempos. Usos, costumes, ainda que contrários aos Dez Mandamentos, devem ser adotados…

Ora, em ambientes ditos progressistas, apresenta-se um perfil aggiornato do cristão, agradável ao homem moderno. Nada de cruz, de sacrifício, de mortificação.

O foco seria a ressurreição, a alegria e, sobretudo, nada de mortificação, de renúncia aos prazeres ilícitos e ao mundo neopagão que nos cerca.

Por essa ótica, se quisermos conquistar o mundo, devemos nos assemelhar a ele.

“Aceitar” os anseios de “liberdade”, aplaudir os “diferentes”: estampar no rosto um sorriso otimista e despreocupado em face dos maiores desatinos morais que atingem o homem antes mesmo de seu nascimento, bem como de sua vida e de sua morte, ou seja, na sua totalidade; uma atitude pela qual não se pode contrariar em nada a modernidade.

Em suma, abandonar a oposição ao mundo e tornar-se um com ele… Seria “descer” da cruz e com isso tentar eliminar seus próprios males…

Há, porém, uma dificuldade: não se desce da cruz!

Condenados que somos depois do pecado original, ou padecemos, unindo nossos sofrimentos aos do Redentor, suplicando sua misericórdia, como fez São Dimas, ou, se morrermos como o mau ladrão, não escaparemos da situação de réprobos.

O desejo de fazer o bem e odiar o mal

Uma dificuldade se apresenta: onde encontrar bons exemplos e orientação genuinamente católica para nós?

Nesse mar de confusão do mundo moderno, surge uma luz: a orientação dada por Nosso Senhor a Santa Brígida, que rezava por um pecador arrependido: 

“Diga-lhe que basta seu desejo. Pois, do que se beneficiou o ladrão na cruz senão de sua boa vontade? Ou o que abriu o Céu para ele foi somente o desejo de fazer o bem e odiar o mal? O que leva ao inferno não são apenas uma má inclinação e uma concupiscência desordenada?”(3)

Plinio Corrêa de Oliveira teceu a seguinte consideração a propósito do amor que devemos devotar
à cruz: 

“É só pela compreensão do papel da dor e do mistério da Cruz que a humanidade pode salvar-se da crise tremenda em que está afundando, e das penas eternas que aguardam os que até o último momento permanecerem fechados ao vosso convite para trilhar convosco a via dolorosa”.

“Maria Santíssima, Mãe das Dores, por vossas preces obtende que Deus multiplique sobre a Terra as almas que amam a Cruz. É a graça de valor incalculável que Vos pedimos, no crepúsculo desta nossa pobre e estropiada civilização.” (Preces Pro Opportunitate Dicendae. Foundation for a Christian Civilization, 1996, p. 375).

*   *   *

_____________

Notas:

1. The Great Biblical Commentary of Cornelius À Lapide St. Luke Ver. 39 a 45

http://www.catholicapologetics.info/scripture/newtestament/Lapide.htm

http://www.catholicapologetics.info/scripture/newtestament/2324luke.htm

2. Il Vangelo secondo Luca, analisi retorica, Roland Meynet, SJ, Edizioni Dehoniane, Roma, 1994, p. 663.

3. Revelações de Santa Brígida, cap. 115, tomo 6º (Op. cit., Comentários ao v. 42, último §.

(Revista Catolicismo, Nº 772 – Abril/2015)

Fonte: http://www.abim.inf.br/

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