Plínio Correa de Oliveira
Muito se tem falado sobre os trinta dinheiros, e sobre
o beijo…
Hoje em dia, a lembrança de tudo isto ainda é mais insistentemente aguçada porque vivemos na época da “quinta-coluna”, época em que todos os ideais espirituais e temporais tem seus “quinta-colunistas”, seus “Papen” ou seus “Quislings”, e em que, portanto, não é possível não lembrar o “Quinta-Colunista” por excelência, aquele que por preço mais barato fez o serviço maior, com “êxito” mais completo.
Mas, precisamente porque o tema já tem sido muito tratado, meditando a “hora do beijo” não é do beijo que vamos falar. Quando foi preso, Nosso Senhor praticou duas ações aparentemente contraditórias, e é sobre esta contradição que queremos meditar.
Falou alto aos seus corações
A contradição se resume em poucas palavras. De um lado, falou tão alto, atordoou tanto os ouvidos, que os esbirros caíram por terra.
De outro lado, abaixou-Se Ele mesmo até o chão, para tomar uma orelha, e a recolocar novamente no lugar. O Mesmo que aterroriza, consola. O Mesmo que fala com voz insuportável para os tímpanos, reintegra uma orelha cortada.
Não há nisto, para nós, algum ensinamento?
Nosso Senhor é sempre infinitamente bom, e foi bom quando disse aos que O procuravam, que era Ele Jesus de Nazaré, a quem queriam, como foi bom quando consertou a orelha de Malco.
Se queremos ser bons, devemos imitar a bondade de Nosso Senhor, e aprender com Ele, que há momentos em que é preciso saber prostrar por terra com santa energia os inimigos da Fé, como há ocasiões em que é preciso saber curar os próprios males daqueles que nos fazem mal.
Por que falou Nosso Senhor tão alto, quando respondeu “Ego Sum” (Eu Sou)? Só para atordoar fisicamente os que O prendiam? Mas para quê se Ele Se entregava voluntariamente à prisão?
É que Ele falou ainda mais alto a seus corações, do que a seus ouvidos, e se lhes falou alto aos ouvidos, não foi senão para lhes falar ainda mais alto
aos corações.
Não sabemos qual foi o proveito que aqueles homens fizeram da graça que receberam.
Mas certamente o temor que tiveram, quando tombaram à voz do Mestre, lhes foi salutar como foi salutar a Saulo, quando a mesma Voz lhe gritou “Saulo, Saulo, por que me persegues?”
Nosso Senhor lhes falou alto aos ouvidos. Prostrou-os por terra. Mas sua voz que abatia corpos e ensurdecia ouvidos, erguia almas que estavam prostradas, e lhes abria os ouvidos dos espíritos, que estavam surdos.
Às vezes, pois, para curar é preciso gritar.
“Senhor, que eu ouça!”
Com Malco, Nosso Senhor procedeu de outra maneira. Quando lhe restituiu a orelha cortada pela fogosidade de Pedro, Nosso Senhor certamente lhe queria fazer um bem temporal.
Mas curando-lhe o ouvido, Nosso Senhor lhe quis sobretudo abrir o ouvido da alma. E Ele mesmo que a uns curara da surdez espiritual com o estrondejar divino da sua voz, Ele mesmo curou da mesma surdez espiritual a Malco, dizendo-lhe palavras de bondade, e restituindo-lhe a orelha
que perdera.
Vivemos em um século afetado, por certo, pela mais terrível surdez espiritual. Se há época em que os homens ouvem a voz de Deus, é a nossa. Se há época em que contra ela endureçam os corações, é por certo a nossa.
O Divino Mestre nos mostra que se queremos dissolver em nós e no próximo esta terrível surdez, é Ele só que o pode fazer, e os meios humanos em si mesmos de nada valem.
Nesta ocasião, façamos nosso um pedido que se encontra nos Santos Evangelhos. Quando um cego viu certa vez a Nosso Senhor, lhe bradou: “Domine, ut videam”, Senhor, que eu veja!
Hoje, aproveitemos as comemorações da Semana Santa para Lhe pedir que ouçamos: “Domine, ut audiam”. Não sabemos, na sabedoria de sua misericórdia, de que maneira Nosso Senhor curará nossa surdez espiritual.
Sangramos como Malco, e estamos surdos como os esbirros. Pouco nos importa, que Ele queira curar-nos por este ou aquele meio: cumpra-se sua vontade divina.
Fale-nos Ele pela voz terrível das provações e dos castigos, fale-nos Ele pela voz branda das consolações, uma coisa sobretudo Lhe pedimos: Senhor,
que ouçamos!
Que pelo menos nós, católicos, ouçamos plenamente a voz de Nosso Senhor, e que, correspondendo em nossa santificação interior, de modo completo e irrestrito, às graças que Ele nos dá, realizemos dentro de nós aquele pleno reinado de Nosso Senhor, de que os inimigos da Igreja parecem esperançados de arrancar os últimos vestígios sobre a face da terra.
Nosso Senhor prometeu indestrutibilidade à sua Igreja, e prometeu que se salvaria toda alma verdadeiramente fiel.
Confortados nessa esperança, meditemos com serenidade as tristezas destes dias de universal conturbação, como as agonias desta Semana da Paixão. Nosso Senhor é o grande Vencedor. Ele vencerá, e com Ele vencerá a Igreja.
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O presente artigo foi também publicado, com algumas modificações, por “Catolicismo” em abril de 1979, sob o título “Voz que atemoriza e consola”.
Retirado da revista “O Legionário”, nº 659, 25 de março de 1945