Leo Daniele
Pense comigo, leitor. É uma lei da natureza que tudo aquilo que se desenvolve, à medida que progride, se diferencia. Por isso, diferenciação e desenvolvimento são termos correlatos.
A marcha da semente à árvore florida e depois cheia de frutos é a marcha da diferenciação. As sementes de uma mesma espécie se confundem, mas as árvores já formadas, a produzir flores e frutos, são nitidamente diversas umas das outras.
Assim sucede com todos os seres vivos. Marcadamente com os animais superiores. De maneira exponencial com os homens.
Mas o homo sapiens, trabalhado pela revolução cultural moderna, mergulhado no pirão indiferenciado do belo e do feio, da verdade e do erro, do bem e do mal, das religiões, das pátrias e até dos sexos, vai aos poucos se transformando, por assim dizer, no maior dos invertebrados. Pois, para ele, cada vez mais, “tudo o que é sólido se desmancha no ar” (1).
De prazer em prazer, de bocejo em bocejo, o homem moderno vai afundando numa versão hodierna da massificação. Sua personalidade se deteriora.
É o avanço do narcisismo, que em alguns casos vai atingindo as fronteiras do autismo. Pelo menos de um autismo publicístico e metafórico, não clínico (2). Embora não perca todo contato com a realidade, o neo-autista quase não presta atenção nela, preferindo refugiar-se na admiração beata de si mesmo ou da mídia.
Se até a simples descrição desse estado de alma causa mal-estar, como será sentir-se a si mesmo como um conjunto de “retalhos que não se fundem num todo”, e apalpar – por assim dizer – em sua própria alma a apatia, o desencanto, a melancolia?
Alguém poderia objetar: isso não é bem assim. Em comparação com as outras épocas, há não só perdas, mas também ganhos. Basta considerar as proezas da técnica, da Ciência, da Medicina, etc. A “expectativa de vida” do homem é hoje muito maior do que antigamente. Portanto, pelo menos debaixo desse ponto de vista, a Humanidade vem progredindo.
Mas, e o homem enquanto tal? Ainda que o aumento da “expectativa de vida” fosse fato incontestável, ele nada provaria, pois se está falando da natureza humana, da força da personalidade, da inteligência, do equilíbrio psíquico e emocional, e não de aparência, saúde física, longevidade e aspectos congêneres…
Uma primeira conclusão – inevitável – é que no Século XX o gênero humano não avançou, mas retrocedeu. E o século XXI vai acentuando esse mesmo processo.
Muito pessimismo? Pessimismo e otimismo, de certa forma, constituem visões preconceituosas da realidade. É preciso olhar a verdade de frente, sem contaminarmos a límpida percepção dela com nossos desejos (3). E quanto a achar que “no fim, tudo dará certo”, às vezes não é fácil separar essa crença de uma superstição…
Não parece que a análise contida neste artigo seja mal-humorada. Simplesmente, ela não recusa a realidade. E a realidade, vista no conjunto, hoje por hoje, não é promissora.
Mas Nossa Senhora prometeu em Fátima: por fim meu Imaculado Coração triunfará. E como disse certa vez Dr. Plinio: “E triunfará mesmo!” (4).
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Notas:
1. Título de um livro de Marshall Berman de 1982.
2. Narcisismo: admiração de si próprio, atenção exclusiva sobre si mesmo (Larousse Cultural, Nova Cultural, São Paulo, 1998). Autismo: desenvolvimento exagerado da vida interior e perda de todo contato com a realidade (Garnier-Delamare, Dicionário de termos técnicos de medicina, 20ª ed. – Org. Andrei Editora, S. Paulo, 1984).
3. Existe no inglês a expressão wishfull thinking: um pensamento cheio de desejos. Trata-se de uma fraqueza a evitar, sobretudo nos assuntos importantes.
4. Discurso no encerramento da VI Semana de Estudos de Catolicismo, 1958.
Fonte: ipco.org