Palavra do Sacerdote por Monsenhor José Luiz Villac
Pergunta — Gostaria que comentasse esta passagem da Sagrada Escritura, talvez uma das mais impressionantes: “Então Josué falou ao Senhor, no dia em que entregou o Amorreu nas mãos dos filhos de Israel, e disse em presença destes: ‘Sol, não te movas sobre Gabaon, e tu, Lua, sobre o vale de Ajalon’. E o Sol e a Lua pararam, até que o povo se vingou de seus inimigos. Não está isto escrito no livro dos justos? Parou, pois, o Sol no meio do céu, e não se apressou a pôr-se durante o espaço de um dia. Não houve, nem antes nem depois, um dia tão longo, obediente o Senhor à voz de um homem, e pelejando por Israel”. Teria sido possível que Deus parasse qualquer um dos astros, o Sol ou a Terra? Qualquer um dos dois eventos resultaria em destruição de nosso planeta, ou alguma outra catástrofe no sistema solar. Seria então possível que Deus, criador de tudo, inclusive do tempo, tivesse gerado uma “bolha temporal” numa determinada região geográfica, onde o tempo tivesse parado?
Resposta — Essa é realmente uma passagem célebre da Sagrada Escritura, que esteve inclusive no epicentro do processo de Galileu, que defendia o heliocentrismo, contra a opinião então corrente, inclusive nos meios científicos, de que era o Sol que girava em torno da Terra.
Muito sabiamente, São Roberto Belarmino, Doutor da Igreja — e filho do grande e prudentíssimo Santo Inácio de Loyola —, ponderava aos teólogos seus colegas que não deviam imiscuir-se em questões científicas; pois se a ciência chegasse à conclusão de que o heliocentrismo era verdadeiro, o que não contrariava nenhum dogma da Igreja, os exegetas deveriam reestudar sua interpretação dessa passagem da Sagrada Escritura, uma vez que não pode haver contradição entre fé e ciência, sendo Deus ao mesmo tempo autor da Escritura e criador das leis que regem o universo.
Galileu, aliás, que privava com diversos cardeais romanos, inclusive o cardeal Barberini (futuro Papa Urbano VIII), com quem tinha longas tertúlias a respeito do tema, chegou até a esposar por escrito a tese de São Roberto Belarmino, numa famosa carta à Rainha Cristina da Suécia.
Ademais, o heliocentrismo já havia sido defendido anteriormente pelo cientista polonês Nicolau Copérnico, sem receber por isso qualquer condenação.
A condenação de Galileu Galilei
Infelizmente o caso tomou o pior caminho possível, como é bem sabido.
De um lado, Galileu não conseguiu convencer nem sequer seus colegas cientistas, inclusive o famoso Kepler, pois as provas que alegava não eram conclusivas; aliás, muitas se revelaram depois falsas (uma delas, o fenômeno das marés, que ele atribuía à rotação da Terra, enquanto hoje está comprovado dever-se principalmente à atração da Lua; a um objetante que lhe aventou esta hipótese, Galileu replicou, muito burlescamente, que isso era uma “imbecillità”).
Por outro lado, o parecer dos consultores teológicos daquele tempo, contrariamente ao conselho de São Roberto Belarmino, aferrou-se às idéias vigentes do geocentrismo, e declarou que o sistema de Galileu era falso e absurdo em filosofia e formalmente herético, por contradizer os textos bíblicos, segundo o seu sentido próprio e a interpretação unânime dos Padres e Doutores da Igreja.
Hoje em dia a questão está perfeitamente elucidada. De um lado a Igreja, já no pontificado de Bento XIV (1740-1758), levantou a interdição ao heliocentrismo e reabilitou indiretamente a figura de Galileu (200 anos antes de o ter feito formalmente João Paulo II), em que pese o caráter burlesco do personagem, que, enfatuado pela sua intuição científica (para a qual não apresentava argumentos convincentes, como foi dito), zombava de seus adversários, inclusive ridicularizando o Papa Urbano VIII, anteriormente seu amigo.
Bem, tudo isto é para dizer como se deve ser cauto nessas matérias que envolvem aparentes contradições entre fé e ciência.
Fonte: Catolicismo